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Apelo de 50 movimentos reformistas internacionais ao Sínodo dos Bispos em Roma:

"Segui o exemplo dialogante e reformista do Papa Francisco!"

Todos os assuntos relacionados com a ética familiar e sexual constituem, desde há anos, uma parte importante das reflexões das nossas organizações e movimentos. Inspirámo-nos na renovação incutida na Igreja pelo Concílio Vaticano II, a qual cremos ter sido agora claramente empunhada pelo Papa Francisco.

Estamos há anos profundamente apreensivos com o distanciamento crescente entre as convicções e a consciência de uma ampla maioria do Povo de Deus e os ensinamentos doutrinais e a prática pastoral do Magistério.

Os dois sínodos convocados pelo Papa Francisco permitem-nos crer ter chegado o tempo de uma renovada fidelidade ao Evangelho, de modo a que a doutrina deixe de constituir um obstáculo para os fiéis que desejam praticar as virtudes cristãs na vida familiar.

Participámos de diversas maneiras no diálogo promovido pelos dois questionários propostos pela Secretaria do Sínodo. Em conclusão, apresentamos-vos a seguir, a vós, participantes no Sínodo, as nossas reflexões e propostas sobre as principais questões que consideramos essenciais abordar.

 

Os problemas fundamentais da família

Constatamos com alegria que a primeira parte do Instrumentum Laboris para o Sínodo de 2015 (cp. 12-27) inclui uma lista dos problemas básicos da família que mal foram aflorados no Sínodo Extraordinário de 2014. Esta parte do documento parece constatar que a ênfase anterior era muito limitada, concentrando-se quase integralmente nas questões dos casais unidos pelo sacramento do matrimónio. O Instrumentum Laboris revela maior consciência, mencionando os fatores sociais e económicos que afetam profundamente muitas famílias, como a pobreza, a exclusão social, o desemprego e a falta de trabalho, a migração e a situação dos mais velhos e deficientes.

Ao responder aos questionários, o Povo de Deus exprimiu maioritariamente a opinião de que o próximo Sínodo deve refletir profundamente sobre estas questões.

Outro aspeto relevante envolve a relação entre pais e filhos, bem como a educação em geral. Até ao momento, estas questões não foram abordadas pelo Sínodo; parece que a família é concebida como uma estrutura onde existem apenas os seus membros adultos. Os filhos são mencionados apenas como potenciais vítimas de uma crise do relacionamento entre os seus pais, ou como vítimas de abuso, violência e exploração (cp. 29). É claramente insuficiente!

Solicitamos uma avaliação correta da situação das crianças e mulheres oprimidas e maltratadas. Há, por todo o mundo, zonas onde as mulheres não são consideradas iguais aos homens, quer aos olhos da Lei quer das práticas e tradições sociais. Não têm os mesmos direitos, são menosprezadas e molestadas e objeto de violência de género. Os direitos das crianças são negligenciados de inúmeras maneiras. Em certas zonas do mundo, por exemplo, são consideradas como mercadoria ou trabalhadores baratos, são raptadas para fins militares e sofrem todo o tipo de violência física e psicológica. A Igreja Católica deve denunciar, desafiar e opor-se com clareza e coragem a estas práticas e expressar a nossa solidariedade para com as vítimas de abusos, os oprimidos e os marginalizados.

O Sínodo deve enviar uma mensagem clara de arrependimento aos sobreviventes de abusos sexuais por parte de membros do clero, bem como às suas famílias, muitas das quais ficaram devastadas por esses acontecimentos. Todos os funcionários da Igreja que não protegeram activamente estas crianças vulneráveis devem ser publicamente responsabilizados por essas graves injustiças cometidas contra as nossas amadas crianças.

Processo de consulta e composição do Sínodo

Saudamos o novo processo de consulta geral, solicitado pelo Papa Francisco antes do primeiro Sínodo Extraordinário em Outubro de 2014, o qual se tem novamente desenrolado ao longo destes meses precedentes do Sínodo Ordinário de Outubro de 2015. Permitiu-nos a todos conhecer melhor as opiniões do Povo de Deus, as quais são frequentemente distantes das propostas da Igreja relativamente à ética familiar e sexual. As conclusões das consultas, que, infelizmente, não decorreram com a mesma transparência em toda a parte, confirmaram, no geral, o desejo do Povo de Deus em alterar as posições doutrinais e pastorais, para que se tornem mais atentas aos "sinais dos tempos" e se inspirem mais profundamente no Evangelho.

Estas conclusões parecem-nos sugerir que os membros eleitores do Sínodo não representam integralmente o povo cristão nem estão bem preparados para lidar com a gravidade e complexidade dos problemas que afetam atualmente as famílias. Propusemos, e esperamos, que o Sínodo seja verdadeiramente aberto à participação do Povo de Deus, mulheres e homens, casais, famílias monoparentais e grupos envolvidos nas questões em debate. A atual composição do Sínodo não reflete as complexidades das famílias católicas.

A lista dos membros do Sínodo, publicada pelo Vaticano no dia 15 de Setembro, confirma as nossas observações.

Casamento, divórcio e novo casamento

É necessário e urgente rever o entendimento tradicional da indissolubilidade do matrimónio: o ideal da indissolubilidade deve adaptar-se às limitações dos seres humanos, que fracassam, por muitas e diversas razões, na construção de um casamento que dure toda a vida.

Todos cremos que o ideal da indissolubilidade do laço matrimonial representa uma resposta pessoal ao profundo desejo de amor mútuo e duradouro: um amor "para sempre". Mas quanto à participação dos divorciados e recasados na Eucaristia, a Igreja Católica deveria regressar à prática dos primeiros séculos, seguida até hoje pelas Igrejas Ortodoxas. Ou seja, admitir integralmente o casal, a pessoa divorciada ou recasada segundo o direito civil, a todos os sacramentos e na Igreja, após uma caminhada com apoio pastoral durante determinado período de tempo, depois da qual devem ser alegremente acolhidas pela comunidade cristã.

O Instrumentum Laboris de 2015 dá um passo em frente ao considerar reexaminar e eliminar as "formas de exclusão atualmente seguidas na prática litúrgica e pastoral...bem como as praticadas na atividade educativa e caritativa". (cp. 120)

Assim, esperamos que o Sínodo reconheça que se deve aplicar o princípio geral da liberdade de consciência a cada pessoa divorciada recasada. Se a pessoa divorciada recasada deseja receber a Eucaristia deve poder fazê-lo sem reprovação, direta ou indireta, por parte da comunidade cristã.

Mesmo antes do Sínodo, o Papa Francisco assinou um Motu Proprio sobre o processo canónico para declaração da nulidade do matrimónio. Apesar da nossa crítica essencial ao conceito de nulidade do matrimónio, saudamos e concordamos com a simplificação do processo. Saudamos igualmente a decisão de submeter o juiz à responsabilidade do bispo, o que contribuirá para maior atenção pastoral à questão.

Solicitamos uma avaliação adequada da situação das mulheres e dos filhos, que são mais vulneráveis e podem ser afetados do ponto de vista económico por uma decisão de nulidade.

A comunidade cristã deve igualmente enfatizar uma nova abordagem dos casamentos celebrados apenas segundo o direito civil e das uniões de facto. Devemos concentrar-nos mais na realidade da relação entre o casal e com os seus filhos do que nos aspetos formais da sua união, convidando-os para o sacramento do matrimónio.

Os presbíteros que casaram e solicitaram a sua readmissão nas atividades pastorais devem ser acolhidos, de modo a que todos possamos beneficiar da sua experiência e das suas capacidades.

Indivíduos e casais homossexuais

É necessária e urgente uma revisão da relação da comunidade eclesial com os/as homossexuais.

Cremos que deve ser mantida a abertura incluída na Relatio post disceptationem. Consideramos, todavia, claramente inadequado o enunciado no Instrumentum Laboris 2015, bem como o convite para que a comunidade cristã (nº 40 do questionário) lhes proponha "a vontade de Deus...na sua situação". Em alternativa, as pessoas e os casais homossexuais da comunidade cristã devem ser não só expressamente acolhidos mas também convidados a ser membros de pleno direito da Igreja, com todos os direitos e deveres, sendo-lhes dada oportunidade de contribuir para a Igreja com as suas sensibilidades específicas.

É preciso contestar e rebater todos os regulamentos ou práticas discriminatórias contra os/as homossexuais na Igreja e na sociedade.

Os/as homossexuais e respetivos relacionamentos devem ser aceites pela Igreja, no âmbito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como do direito civil que tem vindo a legalizá-los.

Humanae Vitae

A doutrina do Magistério relativamente à contraceção enunciada na Encíclica Humanae Vitae não foi aceite pelo Povo de Deus. Desde a sua publicação, muitíssimos casais católicos decidiram reger-se apenas pela sua consciência.

Nem a repetição ritual da importância da Humanae Vitae nem a sua menção quase impercetível nem o realce de apenas alguns aspetos – como na Relatio Synodi e no questionário para o Sínodo de 2015 – ajudarão a reduzir o fosso.

No Instrumentum Laboris para o próximo Sínodo existe uma leve referência ao papel da consciência. É um passo em frente que saudamos com grande júbilo.

Se houver grande resistência à revisão da doutrina sobre a contraceção, o Sínodo não deverá sequer pronunciar-se sobre esta questão.

Esperamos intensamente que a assembleia sinodal escute a voz do Espírito que vai na direção de uma profunda alteração das abordagens eclesiais e pastorais de todas estas questões, como aconteceu tantas vezes na história da Igreja.

Irmãos bispos, deixai-vos iluminar pelo Espírito Santo!

Roma, Setembro de 2015

Este apelo foi iniciado por grupos que organizam duas conferências internacionais em Roma em Novembro de 2015 para comemorar o 50º aniversário do Concílio Vaticano II (1962-1965): 

  • Commemorate and renew the Pact of the Catacombs
    Novembro 11-17, 2015, Info: www.pro-konzil.de
  • Council 50: A Church - Inspired by the Gospel - For the World
    Novembro 20-22, 2015, Info: www.council50.org