É necessária uma nova linha pastoral de descontinuidade com o passado: as respostas de “Noi Siamo Chiesa” ao questionário sobre os problemas da família
Pubblicado em 28 dezembro de 2013
RESPOSTAS DE "NOI SIAMO CHIESA" AO QUESTIONÁRIO PROPOSTO PELO SÍNODO DOS BISPOS PARA A DISCUSSÃO DO POVO DE DEUS EM PREPARAÇÃO DA ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA SOBRE OS "DESAFIOS PASTORAIS ACERCA DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA EVANGELIZÇÃO"
OUTUBRO DE 2014
“Noi Siamo Chiesa” (NSC) enviou hoje ao secretário geral do Sínodo dos bispos Dom Lorenzo Baldisseri suas respostas (ver em anexo) ao conhecido questionário sobre problemas da família, e neste contexto as torna públicas.
NSC constatou e lamentou quais e quantos são em nosso país as reticências e os atrasos de grande parte das estruturas eclesiásticas (sobretudo das dioceses) no que se refere a responder ao questionário. Atitude que fala por si mesma. Os mais ativos no tocante a refletir sobre os problemas colocados são os grupos e os movimentos católicos de base.
As respostas de NSC foram elaboradas após uma aprimorada reflexão coletiva, e foram recolhidas as opiniões que, acerca dos problemas colocados, foram elaboradas nos últimos quinze anos em numerosos encontros, documentos e livros. A síntese que segue, serve para uma primeira e rápida abordagem, mas para evitar mal-entendidos, remete a uma leitura completa do texto.
1- Quanto ao ensinamtno da Igreja acerca da família
O ensinamento da Igreja é aceito quando fala a linguagem da aproximação às alegrias e às fadigas dos indivíduos e dos casais, do apoio às tentativas de construir relações profundas e maduras. A atual pastoral faminiar é enjaulado por proibições (sobre o uso de preservativo, sobre as relações pré-matrimoniais, etc.), baseadas numa concepção ainda enraizada, que vê no sexo algo de potencialmente pecaminoso e que recusa a possibilidade de que a relação matrimonial possa se romper. Muitos preceitos do Magistério são inadequados para a sociedade contemporânea e acima de tudo sobrepostos ou estranhos à mensagem do Evangelho. Por outro lado, NSC entende que as concepções liberalizantes que progressivamente se vêm progressivamente firmando na sociedade têm levado a uma liberalização excessiva dos costumes, no sentido individualista e egoísta.
2- Sobre matrimônio e lei natural
O conceito de lei natural, pelo menos quanto ao que diz respeito às questões ora discutidas, parece cada vez mais uma uma construção cultural, historicamente determinada, que não dá conta suficientemente dos múltiplos aspectos da realidade humana. O processo de mudança em curso em toda a sociedade também interessa à família. Esta tem uma diversidade de tipologias que precisa ser tomada em conta, pelo que não é possível falar-se de “família” com uma insttiução imutável, com um único modelo válido para sempre. Mais do que de família, é preciso cada vez mais falar-se de “famílias”.
É preciso reavaliar o matrimônio simplesmente civil e favorecer contemporaneamente, em seguida, um percurso do casal em direção ao matrimônio religioso.
3- A pastoral da família
Uma pastoral da família, se assim quer chamar-se, exige ser amplamente repensada, como fazendo parte do processo geral de reforma da Igreja. Os “êxitos” na pastoral se devem a famílias que testemunharam com frequência sua fé, revelando aos filhos a imagem de uma realidade familiar aberta aberta às relações sociais e unida. Pensamos numa expeiência cristã vivida mais em cima dos fatos do que anunciada com provas de força. Eventos como o “Family Day” não fortalecem nossa fé na Igreja, até podem coloca-la em crise. Nossas comunidades estão pouco preparadas para ajudar os casais em crise. A hesitação em convidar as pessoas a se separarem mesmo quando a manutenção de uma relação é insana ou até perigosa para o casal e para as crianças, torna difícil para as comunidades ajudarem o casal a separar-se de modo menos conflituoso possível.
4- Situações matrimoniais difíceis
A convivência ad experimentum apresenta-se não apenas como um fato cada vez mais normal, mas, sob certos aspectos ainda desejável, antes de se dar um passo importante como o matrimônio que se orienta à indissolubilidade.
As pessoas divorciadas e recasadas vivem a impossibilidade de receber os sacramentos, com um sofrimento que muitas vezes depois evolui para a indiferença. Com o passar do tempo, sentem-se de fato alvo de injustiça, e pedem que possam participar plenamente da vida da Igreja, tendo acesso portanto aos sacramentos.
A declaração de nulidade do vínculo matrimonial, por parte dos tribunais eclesiásticos pode oferecer uma contribuição dos problemas das pessoas apenas num reduzido número de casos. Nâo se pode pensar em desatar o nó do da Eucaristia para as pessoas divorciadas recasadas por meio da simplificação dos procedimentos canônicos de anulação do vínculo.
É desejável a adoção da praxe atualmente em vigor nas Igrejas ortodoxas quanto à celebração das segundas núpcias após o divórcio, e que vigorava no primeiro milênio. Os divorciados que queiram casar-se de novo, neste caso sejam re-acolhidos na Igreja, fazendo uma caminhada de penitência e de reconhecimento dos seus erros, se aí tiver havido excessos, e cuidem dos filhos, se houver.
5- União entre pessoas do mesmo sexo
A Igreja deveria abandonar uma concepção antropológica restrita segundo a qual o amor homossexual seria “contra a natureza” e não uma variante natural, ainda que minoritária. A Igreja deveria promover um efetivo acompanhamento pastoral dos homossexuais sem pretensões “missionárias” de redenção do pecado. O acolhimento de quem tenha uma sexualidade “outra”, deve estar completamente limitada ao respeito e à não-discriminação. Em consequência, a comunidade cristã deveria pôr-se como objetivo criar ao interno de si um consenso de tal modo a endender possível a aceitação inclusive formal dos casais gays e lésbicas.
Cremos que o legislador deva aprovar uma medida ad hoc para as uniões civis (hetero e homossexuais).que garanta direitos e deveres dos que vivem como companheiros.
6 – Educação das crianças em situações irregulares
A Igreja não serve para distribuir patentes de “regularidade” ou de “irregularidade”, mas para acompanhar, encorajar, apoiar cada pessoa e até cada casal, qualquer que seja sua condição de vida. Nos enfrentamentos em relação às crianças e de crianças eventualmente adotadas, deveria haver uma inserção na vida eclesial e um acompanhamento pastoral semelhantes aos de qualquer outra criança, com uma atenção mais especial devida principalmente a quem estiver em risco de discriminação.
7- Abertura dos esposos à vida
A proibição dos contraceptivos artificiais, contida na Humanae Vitae, não é aceita, e provavelmente a maioria dos casais crentes exercita sua própria paternidade responsável recorrendo a métodos anticoncepcionais artificiais. Hoje é preciso simplesmente ter atitude quanto ao fato de que tal doutrina foi rejeitada pelo sensus fidelium. Sob esta ótica, o uso dos preservativos (assim como quanto às relações sexuais pré-matrimoniais) não deve implicar nenhuma confissão de pecado.
Os meios de como pôr em prática opções de limitação ou de recusa de se tornarem genitores deveriam estar de acordo com a consciência, primeiro, da mulher, mas com uma decisão tomada sempre que possível pelo casal, de maneira compartilhada.
Ter filhos corre o risco de tornar-se um privilégio de quem é rico, ou pelo menos economicamente mais seguro. A política de família em nosso país, se for comparada com a situação média dos países europeus, é muito carente, ainda que os católicos tenham tido os mais importantes papéis na condução da coisa pública, ininterruptamente, desde 1945.
A Igreja deveria apoiar plenamente o acolhimento e a integração dos imigrantes, que representam – pelo menos até uma mudança radical da situação – a única possibilidade de manter um relativo equilíbrio na estrutura demográfica e geracional do nosso país.
8-Relação entre família e pessoa
Pela importância de que se reveste na vida das pessoas, a família é um lugar relevante em que Jesus revela o mistério e a vocação do homem, mas não se trata de um, por si mesmo, um ambiente privilegiado em relção a outros. Não se pode, por outro lado, ignorar que Jesus sempre relativizou os laços sanguíneos em proveito da fidelidade “à vontade do Pai” (Mt 12,46-50; Mc 3,31-34; Lc 8,19-21).
É preciso, portanto, ter sempre presente que as agências educativas que influenciam os jovens são cada vez numerosas e eficazes (os meios de comunicação de massa, as redes sociais, etc.), enquanto o papel da família se reduz, em relação às gerações precedentes.
9-Outros desafios e propostas
No questionário ignora-se a presença de mentalidades e de hábitos machistas difusos, quase como se o machismo não existisse, não tivesse consequência sobre as estruturas familiares e sobre as relações entre homens e mulheres, e como se não constituísse problema inclusive para a Igreja.
A isto está ligado o fenômeno da violência de gênero (física, sexual, econômica, etc.) no interior de nuerosas famílias, e muitas destas se professam católicas.
Ignora-se, também, a condição dos presbíteros que, em razão da obrigatoriedade do celibato, tiveram que abandonar o ministério para contraírem matrimônio, vindo a ser com frequência marginalizados pela instituição eclesiásticas e pelas comunidades cristãs.
Há tantas outras situações que dizem respeito à família, em sua condição ordinária, a da vida do de casal e das relações pais/filhos, seja no momento educativo, seja no relativo à idade adulta. Esses temas são tão importantes quanto aqueles mais “difíceis” que são objeto do questionário. E mais outras que são muito importantes são ignoradas, mas incidem sobre a vida de tantas famílias e comunidades cristãs. A título exemlificativo, referimo-nos aos chamados casais misto, à interrupção voluntária de gravidez, à procriação assistida por profissionais médicos e a ouras questões que são objeto da bio-ética.
As respostas de NSC ao questionário se acham objetivamente em contradição com os pontos centrais do atual Magistério. Mas não será que talvez a Igreja tenha abusado de sua autoridade, ao impor pesos que Deus não impôs? Uma nova linha pastoral, fundada nas duas pilastras da misericórdia e das verdadeiras e profundas relações nas famílias e entre os sexos, só pode ser de nítida descontinuidade com o passado, o relativo à idade adulta, o que é relativo à idade adulta.
Roma,28 de dezembro de 2013. 2013
NOI SIAMO CHIESA
http://www.noisiamochiesa.org/?p=3035
Trad.: Alder Júlio F. Calado